01 dezembro 2022

7 de novembro - Cecília Meireles

 

Saudação à primavera
          - Cecília Meireles

      A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.

     Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.

     Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.

     Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.

     Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.

     Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.

     Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

     Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

     Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.



Cecília Benevides de Carvalho Meireles ( Rio de Janeiro, 07 de novembro de 1901 — Rio de Janeiro, 09 de novembro de 1964 ) era a única filha de Carlos Alberto de Carvalho Meireles, funcionário do Banco do Brasil S.A., e de Matilde Benevides Meireles, professora municipal. 

Seu pai faleceu antes dela nascer e sua mãe quando ainda era bebe, antes dos três anos de idade então,  foi criada por sua avó portuguesa, D. Jacinta Garcia Benevides. Aos nove anos, ela começou a escrever poesia. Conclui seus primeiros estudos – curso primário — em 1910, na Escola Estácio de Sá, ocasião em que recebe de Olavo Bilac, Inspetor Escolar do Rio de Janeiro, medalha de ouro por ter feito todo o curso com “distinção e louvor”. concluiu, em 1917, o Curso Normal, e passou a trabalhar como professora primária. Como professora, estudou línguas, literatura, música, folclore e teoria educacional.

Dois anos depois publicou Espectros, seu primeiro livro de poesia, de tendência parnasiana,  um conjunto de sonetos simbolistas. Seguiram-se “Nunca mais… e Poema dos Poemas”, em 1923, e “Baladas para El-Rei, em 1925.No ano de 1922, ela se casou com o artista plástico português Fernando Correia Dias,  com quem tem três filhas:  Maria Elvira, Maria Mathilde e Maria Fernanda, esta última artista teatral consagrada.

Suas filhas lhe deram cinco netos. Também em 1922 aproximou-se das vanguardas modernistas, principalmente dos poetas católicos. Publica, em Lisboa – Portugal, o ensaio “O Espírito Vitorioso”, uma apologia do Simbolismo. Seu marido, que sofria de depressão aguda, suicidou-se em 1935.Voltou a se casar, no ano de 1940, quando se uniu ao professor e engenheiro agrônomo Heitor Vinícius da Silveira Grilo, falecido em 1972.

De 1930 a 1931, mantém no Diário de Notícias uma página diária sobre problemas de educação.Teve ainda importante atuação como jornalista, com publicações diárias sobre problemas na educação, área à qual se manteve ligada, tendo fundado, em 1934, a primeira biblioteca infantil do Brasil. Profere, em Lisboa e Coimbra – Portugal, conferências sobre Literatura Brasileira.

De 1935 a 1938, leciona Literatura Luso-Brasileira e de Técnica e Crítica Literária, na Universidade do Distrito Federal (hoje UFRJ). Em 1939, ganhou o Prêmio de Poesia, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro Viagem. Colabora ainda ativamente, de 1936 a 1938, no jornal A Manhã e na revista Observador Econômico.

Obras – Católica, escreveu textos em homenagem a santos, como Pequeno Oratório de Santa Clara, de 1955; O Romance de Santa Cecília e outros. Nos anos seguintes, conciliou à produção poética os trabalhos de professora universitária, tradutora, conferencista, colaboradora em periódicos, pesquisadora do folclore brasileiro. A Academia Brasileira de Letras concedeu a Cecília, postumamente, o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra, em 1965.

Destacam-se em sua obra os livros Vaga Música (1942), Mar Absoluto e Outros Poemas (1945), Retrato Natural (1949), Doze Noturnos da Holanda & O Aeronauta (1952), Romanceiro da Inconfidência (1953), Canções (1956), Poemas Escritos na Índia (1961), Metal Rosicler (1960) e Solombra (1963). Cecília Meireles é considerada pela crítica poeta pertencente à segunda geração do Modernismo.

No entanto, Manuel Bandeira afirmou que há em sua obra “as claridades clássicas, as melhores sutilezas do gongorismo, a nitidez dos metros e dos consoantes parnasianos, os esfumados de sintaxe e as toantes dos simbolistas, as aproximações inesperadas dos super-realistas. Tudo bem assimilado e fundido numa técnica pessoal, segura de si e do que quer dizer.”



Serenata


Permita que eu feche os meus olhos,

pois é muito longe e tão tarde!

Pensei que era apenas demora,

e cantando pus-me a esperar-te.

Permita que agora emudeça:

que me conforme em ser sozinha.

Há uma doce luz no silêncio, e a dor é de origem divina.

Permita que eu volte o meu rosto para um céu maior que este mundo,

e aprenda a ser dócil no sonho como as estrelas no seu rumo.


Cecília Meireles

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