06 abril 2024

Homenagem póstuma – Ziraldo: Charge, crônica e poesia infantil.

 

Nossa homenagem ao jornalista, escritor e desenhista Ziraldo. 

6 de abril. Véspera do Dia do jornalista no Brasil.


Ziraldo Alves Pinto

(24 de outubro de 1927–6 de abril de 2024)

Nascido na cidade de Caratinga em Minas Gerais, Ziraldo foi jornalista, desenhista, cartunista, cartazista, caricaturista, chargista, pintor, cronista, humorista, poeta, escritor, dramaturgo e apresentador. Criador do personagem "Menino Maluquinho", entre outros famosos, tornou-se um dos mais conhecidos e aclamados escritores infantis do Brasil.

"O importante é motivar a criança para a leitura, para a aventura de ler."


Charge de Ziraldo

*Fonte: Google


Crônica de Ziraldo:

"Agora, fome, não tinha" 

Eu acho que o mundo era justo naquele tempo — e olha que foi ontem! Seo Zé da dona Rita morava no pé da serra — tinha uma situação lá — e criava uns porcos pro meu pai: capado à meia. Eu me lembro que ele chegava lá em casa e informava ao dono dos porcos — o capitalista — que tinha matado o porco. Nem perguntava se podia. Matava. E trazia a banda que nos cabia. Como era ele que criava o porco — numa relação de capital e trabalho — a banda melhor ficava com ele: o bucho, os miúdos, as tripas para linguiça, o sangue para murcia. O capitalista ficava com a banda lisa. Pode? Desde quando a melhor parte fica para quem trabalha? Em Caratinga, Minas, era assim, quando eu era menino e tem pouco mais de quarenta anos. Minha mãe gostava de falar dessas mudanças. Diante das tristes notícias dos jornais, ela dizia: “No meu tempo, fome era só vontade de comer”. A região onde morávamos era muito fértil mas pobre (só hoje percebo isso, pois, voltando lá, vejo a precariedade das velhas sedes das fazendas que, abandonadas, ainda estão de pé: tudo de pau a pique, janelas de tábua lisa, pobres mourões de braúna e madeira de má qualidade nos acabamentos). Não corria muito dinheiro na região, mas o clima era bom e a terra, em se plantando, dava tudo: “Aqui, num precisa nem semear, é só cuspir que nasce das sobras”.

Fome não tinha! O roceiro — que agora chamam de homem do campo — era pobre, muito pobre, mas digno. Digno porque não era aviltado por este tipo de pobreza urbana que conhecemos hoje, nas sórdidas periferias das grandes metrópoles brasileiras. Como dizia a mamãe, “uma pobreza que, pela pobreza, não humilhava”. É verdade que a saúde era pouca:maus dentes (muita rapadura), lombrigas, amarelão, bibiana e outras macacoas. Agora, fome, não tinha

Não tinha porque a terra sendo fértil e o homem tendo a terra, a que vai comer, de comer lhe dá.

Não me lembro — nem pesquisei — o tipo de relação que seo Zé da dona Rita tinha com o provável dono das terras onde eles moravam. Mas, me recordo muito bem que, quando a mamãe ia visitar dona Rita, levando a filharada com ela, levava também, sal e fazenda. Era tudo o que a família de seo Zé precisava: uma saquinha de sal grosso e alguns metros de chita, de petrope, de riscado ou carne-seca. Em troca, a gente almoçava lá e eu nunca vou esquecer os almoços da dona Rita, tudo tirado direto das panelas na trempe do fogão de lenha, servido em pratos esmaltados, numa casa sem mesa, sem cadeiras e sem facas. Só havia uns garfos de estanho e as colheres de pau — que o próprio seo Zeca fazia — pra tirar o arroz da panela de pedra. A grande lembrança fica por conta da buchada, só comida lá, pois o bucho nunca vinha na banda de porco do meu pai. E tinha frango com quiabo e tinha mingau-de-couve (que, apesar do nome, era feito com taioba rasgada) e tinha canjiquinha, agrião, folha de assa-peixe frita, passada no ovo e rolada na farinha, talo de mamão e refogado, ovas de galinha — frutos dourados como o sol, com gosto salgado de coisa proibida —, jiló, bertalha, almeirão, couve picadinha — engraçado: alface e tomate não existia — inhame, cará, batata-doce, chuchu, abóbora-d’água, abóbora-d’anta, abóbora-de-porco, abobrinha, moranga, arroz pilado, torresmo e linguiça, mandioca frita, mandioca cozida, farinha-de-munho, rapadura, inhame com melado, doce de batata-doce ou de tronco de mamão ralado — tronco, mesmo! — laranja, jabuticaba, jambo, fruta-pão, manga, mexerica, gabiroba, carambola e jenipapo — minha boca se enche d’água e meus dentes trincam com esta lembrança — goiaba, goiabada, cuscuz de fubá em panela de barro, biscoito de polvilho, broa, cubu e um bom aluá como refresco. Claro que não era este o menu de um almoço só, mas comi tudo isto lá, nas incontáveis vezes que visitei o pé da serra.

Sapatos, seo Zé não tinha. Nem dona Rita.

Fome, porém, não conheciam.

Estava pensando: e se todos tivessem sua terra pra criar suas galinha e plantar o que seo Zé e dona Rita plantavam em volta de sua casa, estariam por aqui, inchando a cidade grande e morrendo de aviltamento e indignidade?

- Publicado originalmente na Revista Globo Rural, edição nº 5, fevereiro de 1986.


Poesia infantil, Ziraldo:

O joelho de Juvenal

Era uma vez um joelho que se chamava Juvenal. 
Juvenal tinha um problema, coitado: aparecia todo escalavrado. 
Também quem mandou o Juvenal ser 
o joelho de um menino levado?

Juvenal queria muito aprender a língua de menino 
só para falar assim: “Menino, tenha dó de mim!” 
Mas quando o esfolado sarava 
Juvenal bem que gostava de correr e de saltar.


E ele se desdobrava e se dobrava outra vez todo alegre, 
pois sabia que, indo e vindo, fazia o seu menino feliz.
Mas um dia, tudo ficou escuro para o Juvenal. 
E ai ele descobriu que o menino tinha crescido.

E agora, em vez de short ou calça curta, usava calça cumprida. 
Por isso, hoje Juvenal tem um pedido a fazer aos fabricantes de calças.
Que tal criar um modelo de calça, 
sob medida que tenha dois buraquinhos pro Juvenal ver a vida!?

Fonte: https://www.awebic.com/poemas-de-ziraldo-para-criancas/


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